Carla Abrahão – Uma das pioneiras na motovelocidade
brasileira
Quando perguntei para ela me contar timtim
por timtim desde quando tudo
começou ela confessou que detestava escrever e que seriam muitas linhas...
“prefiro falar” disse ela... Porém, finalmente consegui que ela me contasse um
pouco desta aventura que foi e ainda é o motociclismo na vida dela. Com vocês, Carla Abrahão, escrita por ela mesma, sim porque ela escreveu tudinho!!!!!
“ Terei de voltar alguns anos, para contar essa
maravilhosa historia de minha vida! Adoro motos desde os 11 anos de idade, hoje
tenho 41, assim posso dizer que isso nasceu comigo... Ninguém em minha família
incentivou... Desde a primeira mobilette, que meu irmão mais velho
Carlos Roque ganhou no Natal (e eu lógico, ”roubava” sempre que possível), até
a primeira Yamaha DT 180, idem, eu sempre as “pegara emprestadas” sem que ele
soubesse. Porém seus amigos comentavam,
não no intuito de me “dedurar”, mas para elogiar como eu andava bem. Naquele tempo, alguns leitores devem se
lembrar, não era obrigatório o uso de capacete e eu andava, infelizmente, sem
capacete... Com cabelos cacheados loiros e compridos... Chamando a atenção por
onde passasse... Pois isso deveria mudar, as meninas também deveriam ganhar
motos, não só os meninos! Contudo passaram-se os anos e eu sempre com motos
‘emprestadas’, até que... Tudo
aconteceu! Aos 29 anos, quando conheci o XX ,o Wellington Melo Franco (“in memorian”) o qual me apresentou ao Braguinha (Luiz Carlos Braga) e ao Nenad (Nenad Djorjevic),começou em
minha vida o capítulo Motovelocidade.
Braga teve a ideia de
me colocar nas pistas, melhor ainda, correr os Campeonatos Paulista e Brasileiro de Motovelocidade!!! Nunca vou
esquecer esse dia!...Estava no autódromo de Interlagos assistindo ao espetáculo
do treino de pilotos da primeira “Escola de Pilotagem Século XXI”, quando ele
me fez essa proposta... A expressão do meu rosto, de medo, entre assustada e
ansiosa para ver no que isso iria dar! Na hora aceitei e pensei em fazer Historia
para as mulheres, na época era muito feminista e achava que deveria mostrar aos
homens seus devidos lugares... Quanta ingenuidade da minha parte, hoje sei que
meus pensamentos nem sempre foram corretos. Somos diferentes Mulheres e Homens,
somos o complemento uns dos outros, não há melhor ou pior, cada um tem seu
potencial e seu melhor e nós mulheres ainda estamos nos posicionando,
melhorando a cada dia, enfrentando desafios, que nunca pedimos ,
simplesmente eles aparecem e temos que
enfrentá-los!
Bem... Vamos ao Autódromo de
Interlagos em uma visão feminina: Eu não tinha macacão, botas, nada...! Nenhum
equipamento de segurança apenas minha coragem para estar ali... “O” XX” me
emprestou sua moto Honda XX 1100 cc, o Braga seu macacão, luvas e botas e
entrei no autódromo! Pensei em Deus!!!!
Como ele pode dar uma sensação tão maravilhosa ao ser Humano? Sensação de
liberdade, poder, prazer, medo, autoestima, felicidade, tudo ao mesmo tempo,
nunca tinha chegado num velocímetro a 290 km/h... Medo, prazer, naquela moto
que era um mito,... Sem freio traseiro, “XX”, meu eterno amigo, e Nenad ensinando-me o traçado na histórica pista de Ayrton Senna !
A História
do Motociclismo Brasileiro estava mudando naquele momento, mas não me dera
conta deste fato, era um enorme o prazer aprender com aqueles homens, que com
sua paciência, tentavam me passar sua experiência e emoção! Mas acredito no que
diz Dino Benzatti, no Programa”
Momento Moto” da TV Bandeirantes: ”Seu melhor momento é você de moto!”... Se
todas as mulheres soubessem o quanto uma mulher é cortejada e admirada em uma
moto... Todas estariam pilotando!
Quando Braga teve essa ideia entrei na
academia de ginástica, pois teria de competir com homens, somente homens, teria
que fazer, na pista, o tempo deles para que eu pudesse competir... “Pensei: tenho de ter condicionamento físico
para isso e procurei a Academia Runner.
Tive apoio na hora. Ótimo agora era só treinar bastante!... E foi o que eu fiz,
treinei como uma louca, sabem o que aconteceu? Quando até o cabelo dói? Todos
meus músculos doíam muito!
No final do dia fui à oficina
mecânica, onde motos estavam sendo preparadas para o Campeonato Paulista de Motovelocidade e eu acompanhava tudo, aquele
mundo totalmente masculino, tentando me passar por invisível, para estudar a
todos, a personalidade de cada homem, prestava atenção nas conversas, pois na
pista, eles seriam meus rivais... Precisava estudá-los, tentar alguma
estratégia, e verifiquei na hora: Tudo era tão diferente se comparado às
conversas femininas! Nunca fui um primor de “menina”, pois sempre gostei mais
de brincar com meninos, essa história de brincar de casinha nunca foi minha
cara. Quando meu marido (Eduardo Carità)
me conheceu, andando na pista do autódromo de Interlagos, pensou que eu era
lésbica... Imaginem! (risos) Nada contra... Mas não sou! O Campeonato começaria
no dia seguinte... Sábado, quando todos me olharam e disseram:
- Carla porque você não corre com a
gente amanhã?! Quase tive um ataque de
“menina”, mesmo!...
- Como assim? Não tenho moto, não
treinei no autódromo, não tenho macacão, bota luva, protetor de coluna?
Lembram quando mencionei que meu corpo
doía todo? Fiquei chocada... Porém aceitei! Decidiram que eu iria competir
com uma Kawasaki ZX 750 cc que estivera
parada há algum tempo. Pertencia ao Cássio,
sócio de Braga,na época proprietários da loja Moto Store, que gentilmente me emprestara sua moto. Ao ser retirado o banco da moto, para surpresa
de todos, um rato morto surgira...! Isso mesmo! Pensei em morte na certa...
coisa de mulher! Tudo acertado
experimentei todo o equipamento necessário e claro... Não dormi à noite,
achando que a morte seria certa, no dia seguinte!
Treino no sábado: treinara,
conseguindo tempo suficiente para poder participar da histórica corrida, tendo
a honra de ser a primeira mulher filiada
à Confederação Brasileira e Federação Paulista de Motociclismo, motovelocidade categoria Força Livre, isso quer dizer acima de
600 cc ! Acreditem...! Não me dera conta deste detalhe que hoje marca minha
historia!
Largada domingo: Autódromo lotado,
emoção à flor da pele, grid de largada. Mais uma vez Braga me orienta: -Aconteça o que
acontecer, você não pode cair, pois todos vão prestar atenção em você!Tem que
chegar inteira,... E outra coisa... Tire o capacete no grid de largada! Ao que
respondi: - Não posso...!Todos iriam me olhar...! Braga disse: -Você consegue!
Foi o que fiz... Tirara o capacete como se fora arrumar meus cabelos, e quando
isso aconteceu a arquibancada veio a baixo em uma só voz:-Ohhhh! É UMA
MULHER! E o locutor Chicão, um querido,
conhecido da época de Jet Ski e Moto cross, falava meu nome... Carla Abrahão...
E todos repetiam! Nossa isso ficou gravado em meu coração! Largada: acelerei tudo, mas não saia de minha
mente a frase de Braga... ”Não cair, ok..! Isso significaria não correr muito,
não arriscar demais, e ainda por cima,
na segunda volta vejo um piloto
tentando me ultrapassar, como um louco,
indo até a curva da reta oposta pela área suja. Sabia que cairia ,então “tirei a mão”,permitindo sua
ultrapassagem! Pensem em um homem constrangido! E ele ficou !E tudo veio à
minha mente, neste universo masculino... Eles não pensam em preservação,
simplesmente em ganhar!! Terminei em 7º entre 22 homens no geral...Vitória!
Lembro-me como se fosse hoje, a arquibancada lotada, aclamando meu nome CARLA
ABRAHÃO! Todos os pilotos , jogavam-me para cima, banho de champanhe, pena que
na época não tínhamos celular com câmeras ou até mesmo a internet, isso meus
caros leitores há 13 anos atrás, tão pouco tempo e não tínhamos toda tecnologia
hoje disponível!!!
Há poucas fotos desta fase, além de
minhas lembranças ,que com muita emoção, tento repassar aqui! Na segunda prova
do Campeonato Paulista, a mesma história: sem treino, sem ajuda, sem
patrocinador, moto sem manutenção, veio o tombo, muito feio, no qual quebrei
meu tornozelo, rompi todos os ligamentos de meu pé esquerdo, fraturei a 3ª
vértebra de minha coluna, cama por 4 meses, poucos amigos... É nesta hora que se vê quem são seus
verdadeiros amigos e além do mais perdera meu emprego! O acelerador travara no
Bico de Pato e o chão foi certo, quebrando a alavanca de cambio com meu pé!!! A
única alternativa fora abrir mão de um sonho, por todas as razões expostas,
participar em um grid somente de
mulheres... Realidade que se tornara um sonho adormecido em 2.001!
FEDERACAO PAULISTA DE
MOTOCICLISMO -
POSICAO FINAL DO CAMPEONATO PAULISTA DE
MOTOVELOCIDADE 2001
1 61
NENAD DJORDJEVIC
FORCA LIVRE 20 20 25 20 85
2 42
MARCELLO DE MIRANDA FORCA LIVRE 25 25
0 11 61
3 666 WELITON MELO FRANCO FORCA LIVRE 16 13 16 13 58
4 37
ROMULO SINHORELLI
FORCA LIVRE 11 16 13 16 56
5 97
RODRIGO DE BENEDICTIS
FORCA LIVRE 0 0 20 25
45
6 5
TULIO CESAR GALVAO
FORCA LIVRE 0 5
9 9 23
7 57
VICTOR HUGO SZPIGEL
FORCA LIVRE 0 6
7 8 21
8 60
MARCELO HANDEL MISTRORIGO
FORCA LIVRE 0 10 0 10
20
9 49
LUIS CARLOS BRAGA
FORCA LIVRE 13 0
0 0 13
10 53 RICARDO VASCONCELOS FORCA LIVRE 0
0 5 7 12
11 45 EDUARDO COSTA NETO FORCA LIVRE 0 11
0 0 11
12 77 MARCELLO BRASIL FORCA LIVRE 0
0 11 0 11
13 39 ALEXANDRE MELO MITZKUN FORCA LIVRE 10
0 0 0 10
14 33 RAFAEL FUNRI NEGRAO FORCA LIVRE 0
0 10 0 10
15
70 CARLA ABRAHAO FORCA LIVRE 9
0 0 0 9
16 25 SERGIO F. LAURENTYS FORCA LIVRE 0
9 0 0 9
17
151 VICTOR HUGO SZPIGEL
FORCA LIVRE 8 0
0 0 8
18 87 THALES GARCIA CARMONA FORCA LIVRE 0
8 0 0 8
19 90 HUGO LACERDA FERREIRA FORCA LIVRE 0
0 8 0 8
20 55 ALEXANDRE JOSE ARTUZO FORCA LIVRE 0
7 0 0 7
21
111 RICARDO ALVES FERREIRA
FORCA LIVRE 0 0 6 0 6
22 10 LAUSON VINICIUS ANTONUCCI FORCA LIVRE 0
4 0 0 4
Agenda na mão, liguei ao José Carlos Taddeo que me vira no Autódromo de Interlagos. Um amigo, que à época abrira portas na BMW
motos, convidando-me para ser também a primeira mulher a relatar, em uma moto,
matérias sobre turismo em revistas especializadas . E hoje, mais uma
vez, ajudou-me agora na Kawasaki do Brasil, que prontamente entendeu tudo de que eu necessitava e gentilmente cedeu-me a
Versys 650 cc,para minha
viagem no tempo rumo ao futuro . Novas ligações, desta vez ao Laertes da Revista Moto Adventure e Alessandro
do site www.motovelocidade.com.br, para
poder relatar e compartilhar tudo com todos . Tudo certo, sexta feira dia 10-08-2012,
vamos à concessionária pegar a moto,
junto meu eterno companheiro, sócio e amigo , que nas horas vagas é também o
meu marido! Moto pronta revisada, mochila, equipamentos de segurança,
abastecida, pneus calibrados! Estrada!!!
Em todos esses anos, não havia parado
para pensar no que fizera e no que me tornara. Nossa !Que legal ser a primeira
mulher! E fazer parte novamente de algo único, o primeiro grid de mulheres na
motovelocidade!!! E melhor, a troca de informações, de como foram os treinos,
as motos, a recuperação e a história de cada uma destas mulheres pilotos e eu
prestava atenção a cada história! E um detalhe, todas são lindas mulheres
bonitas, por fora e por dentro!! Mulheres fortes, que vieram para fazer história! No passado presenciara diálogos machistas e
agora via uma realidade diferente: uma postura mais digna, mais amigável, muito
mais acolhedora. Domingo de manhã, às 7:00 horas, já estávamos prontos e lá fomos
nos para o Autódromo Nelson Piquet .
Deixo registrada minha indignação pelo abandono deste autódromo junto ao relato
de todas as pilotos sobre as rachaduras
na pista ao asfalto péssimo, enfim tudo
muito largado! O que também me deixou triste foi a arquibancada vazia! Pude,
porém constatar a mídia em peso, TV, jornais, revistas, rádio, fotógrafos !
Especial agradecimento à Facemotos, a
qual patrocinou a área VIP do Moto com
Batom. Antes da prova reunimo-nos em
um círculo, para rezar independente de religião ou crença, para agradecer e
pedir para que todas as pilotos competissem
sem acidentes, lembrando-me do
que dissera Braga em minha primeira vez: -Não caiam!
À hora da largada, ao vê-las ,
senti as lágrimas escorrerem, não
acreditava que isso pudesse acontecer... Um sonho se realizando.... Uma mistura
de querer estar ali na pista e outra de assistir.... Tudo se misturava e foi
dada a largada e todas saíram acelerando, o arrepio... O frio na barriga,
torcendo por cada uma! Foi uma verdadeira muvuca,
tinha tanto repórter, mídia. E até aqui não havia tocado no assunto machismo ou
até mesmo preconceito, mas na largada os homens tiveram uma “brilhante” idéia,
colocar uma piloto, na verdade, um homem vestido de mulher, dizendo-se uma
piloto americana que iria competir!!! Puro machismo! Brincadeiras à parte, todas foram ótimas, sem
quedas, um linda corrida, para ficar na historia do Motociclismo Brasileiro e eu exultante por ter sido honrada com o convite para dar
a bandeirada de chegada.
Enfim um sonho se tornara realidade,
todas em um clima de respeito e solidariedade mútuos que somente um verdadeiro
motociclista tem!! Parabéns a todas,
espero que isso continue por muitos anos e que possamos ter em nossa
Confederação uma divisão somente de mulheres, sem feminismo nisso. A volta na
estrada, segunda feira, mais 1.250 km,(viemos por Goiânia e Frutal) em um tranquilo dia de sol maravilhoso, singramos com a
Kawasaki 4 estados . Foi cansativo, mas a cada km tudo se revelava, voltando de
onde havia se escondido, pensando e planejando em academia, e até quem
sabe, em voltar a competir com as
meninas!!!!
E a próxima aventura será no Rio
grande do Sul, teremos mais uma corrida somente de mulheres, Confraria das Mulheres Motociclistas,
incrível e lá estarei novamente mais 2.300 km!
Conto na próxima edição!!!! Dias
14,15,16 de setembro! "
2 comments:
Você utilizou palavras tão fácil de ler, escrito aqui.
Eu amei mais o blog desse jeito. Desta forma as pessoas entendem rapidamente o que o escritor gostaria de dizer.
Você usou palavras tão bom de ler, escrito aqui.
Eu gostei mais o website assim. Desta forma as pessoas
sabem rápido o que o escritor gostaria de dizer.
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